Resenha do livro Direito Tributário Internacional: a emergência de um discurso jurídico transnacional sobre a tributação, de Marcio Augusto Campos

Lançado em 2024 pela Editora Dialética, o livro Direito Tributário Internacional, de Marcio Augusto Campos, não se limita a explorar os contornos técnicos da tributação global. Ao contrário, parte de um diagnóstico mais estrutural: o campo tributário internacional está profundamente atravessado por disputas de linguagem, legitimidade e poder. E é precisamente essa tensão — entre a pretensão técnica do discurso e sua condição de instrumento político — que dá força e atualidade à obra.

Campos sustenta que o chamado campo tributário internacional não é um corpo normativo fechado, mas uma prática discursiva elaborada por uma comunidade epistêmica — os justributaristas internacionalistas — que compartilham uma gramática própria. Dominar essa linguagem é disputar centralidade em um campo onde o saber técnico é também uma forma de poder. Por isso, o discurso tributário, ao se apresentar como neutro, frequentemente oculta sua função política e as disputas internas que o moldam.

Essa ambiguidade é parte constitutiva da história do campo. O autor remonta às origens da jurisprudência europeia, quando o direito passou a ser sistematizado como um saber universitário relativamente autônomo. Ainda que vinculado a projetos de poder emergentes, esse saber pretendia manter uma certa distância crítica, uma “dimensão intelectual do direito”, como o autor nomeia. A partir dessa tradição, Campos argumenta que o direito sempre oscilou entre ser ferramenta de legitimação de ordens estabelecidas e espaço de contestação institucionalizada.

Essa oscilação se torna mais evidente na análise do discurso tributário. O livro mostra que a consolidação da linguagem sobre tributação — especialmente no plano internacional — foi marcada por uma série de tensões: entre direito e economia, entre tradição nacional e cooperação global, entre formalismo técnico e disputas ideológicas. Em meio a essas contradições, emergiu um discurso com pretensões de cientificidade, mas cujas bases permanecem ideologicamente marcadas pelas escolhas liberais do pensamento econômico moderno.

É nesse ponto que o livro contribui de forma decisiva para os debates contemporâneos sobre a liberdade acadêmica e a autonomia intelectual. Ao enfatizar que o discurso jurídico não é imune ao contexto político, Campos alerta para os riscos de sua instrumentalização. O saber jurídico, sobretudo quando tratado como discurso técnico inquestionável, pode se tornar cúmplice de agendas políticas que buscam neutralizar o dissenso. A manutenção de espaços críticos de reflexão — como a academia — torna-se, portanto, uma condição para a vitalidade do próprio campo jurídico tributário.

Por isso, Direito Tributário Internacional não é apenas um livro sobre regras ou tratados. É uma obra sobre os limites do campo e as possibilidades do discurso tributário em tempos de reorganização do poder global. Ao recusar tanto o tecnicismo ingênuo quanto a crítica desencarnada, Marcio Augusto Campos propõe uma leitura realista: o direito é linguagem, é campo, é disputa — e só faz sentido se puder ser dito por vozes autônomas. Em tempos de ingerência política sobre a produção de saber, essa constatação soa menos como uma conclusão teórica e mais como um alerta urgente. O livro está disponível no site da Editora Dialética, com preço de R$ 84,90 (link).

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