Resenha do livro A Judicialização da Política e a Matriz Tributária Brasileira: Quando o Poder Judiciário Atua como Fiador da Regressividade Tributária, de Francisco Gassen.

A Judicialização da Política e a Matriz Tributária Brasileira: Quando o Poder Judiciário atua como fiador da regressividade tributária, de Francisco Gassen (Editora Thoth), não se propõe a oferecer grandes revelações sobre o desequilíbrio da carga fiscal brasileira, mas sim a tensionar os papéis institucionais que, ao longo das últimas décadas, têm reiterado — ou ao menos legitimado — as distorções da matriz tributária nacional. A hipótese trazida por Gassen é, em síntese, desconfortável: enquanto a Constituição de 1988 pavimenta os caminhos para uma tributação baseada na capacidade contributiva, o Poder Judiciário, paradoxalmente, muitas vezes assume o protagonismo na negação dessa possibilidade. A regressividade, portanto, não é apenas o produto de más escolhas legislativas ou de omissões administrativas, mas de decisões judiciais que — sob o verniz técnico de neutralidade — acabam por sustentar o status quo desigual. A crítica, no entanto, não se ampara em voluntarismos: Gassen reconhece os limites da jurisdição, mas questiona os fundamentos pelos quais ela, com frequência, ultrapassa esses próprios limites.

A obra explora três casos paradigmáticos: a tentativa de progressividade do ITCD no Rio Grande do Sul, do IPTU e do ITBI no município de São Paulo. Em todos, a narrativa se repete: avanços no campo legislativo encontram resistência judicial, amparada por uma leitura rigidamente formalista ou por referências normativas que ressoam mais com o libertarismo vulgar do que com uma hermenêutica constitucionalmente comprometida. O autor, contudo, é cuidadoso ao evitar a armadilha da sobreposição de poderes. Não se trata, segundo Gassen, de esperar que o Judiciário imponha políticas progressivas, mas de reconhecer que a própria controvérsia em torno da progressividade — longe de ser encerrada — é ampla o suficiente para que não se justifique a atuação judicial como se se tratasse de matéria pacífica. Em outras palavras: o Judiciário não deveria determinar como tributar, tampouco impedir que o Legislativo o faça, sob pena de esvaziar o processo democrático. No fundo, Gassen aponta para um deslocamento silencioso: o Judiciário, ao se colocar como guardião da neutralidade fiscal, acaba por exercer uma tutela ideológica sobre escolhas que deveriam ser essencialmente políticas.

É justamente nesse ponto que o livro ganha sua relevância: ao desnaturalizar a narrativa de que progressividade tributária é incompatível com a legalidade estrita ou com os limites constitucionais, Gassen oferece uma análise crítica dos usos estratégicos da linguagem jurídica na manutenção das desigualdades. Sem recorrer a grandes proclamações nem a fórmulas fáceis, a obra articula uma denúncia meticulosa: a judicialização da política tributária, longe de ser um problema episódico, revela um padrão institucional de contenção das possibilidades redistributivas. O leitor encontrará aqui menos respostas fechadas e mais provocações — o que, em um país onde o discurso da neutralidade fiscal frequentemente serve para blindar privilégios, talvez seja precisamente o tipo de desconforto necessário. O livro está disponível no site da Editora Thoth por R$ 81,60 link.

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