Nos últimos dias, o embate entre Donald Trump e universidades como Harvard reacendeu um debate antigo, mas sempre atual: onde termina o poder político e onde começa a autonomia do saber? A tentativa do presidente americano de condicionar o financiamento universitário a determinados posicionamentos institucionais não é apenas um gesto de força — é um sintoma de algo maior. Em tempos de polarização, o saber técnico e a produção acadêmica voltam a ser vistos como obstáculos ao “povo”, à moral, à ordem ou à vontade majoritária. E isso não é exclusividade americana. A tensão entre o discurso técnico e o poder político é constitutiva de todas as democracias modernas. Mesmo quando não há censura explícita, há tentativas constantes de enquadrar o saber, de torná-lo servil às diretrizes de governo, de instrumentalizar o conhecimento em nome de uma verdade conveniente.
Essa tensão é particularmente visível em campos como a tributação, onde o conhecimento técnico costuma ser manejado por burocracias especializadas e por comunidades acadêmicas com alto grau de autonomia institucional. O Auditor Fiscal, por exemplo, é herdeiro de uma cultura técnica que se vê como guardiã de um discurso racional sobre as finanças públicas. Mas esse discurso não está imune à política — nem deveria estar. O problema não está no diálogo entre política e técnica, mas sim na tentativa de subordinar o saber à vontade de ocasião. O mesmo se aplica à academia: a universidade é, por definição, um espaço de confronto de ideias — inclusive aquelas que desagradam o poder de turno. Quando se busca silenciar esse confronto, seja por intimidação institucional, seja por estratégias mais sutis de financiamento seletivo, rompe-se a confiança social na capacidade do saber de ser crítico e transformador.
No campo tributário, essa tensão se manifesta não apenas entre governos e burocracias, mas também no próprio discurso jurídico. Como analisado na obra Direito Tributário Internacional: a emergência de um discurso jurídico transnacional sobre a tributação, o saber jurídico carrega uma ambiguidade estrutural: ele é, ao mesmo tempo, instrumento de um poder que lhe é externo e um tipo de poder em si mesmo. Ao se pretender neutro e técnico, o discurso jurídico tributário oculta suas disputas internas — mas elas existem. Dominar esse discurso é disputar poder, e por isso mesmo, ele nunca é totalmente neutro. A liberdade acadêmica, nesse sentido, não é um luxo retórico: é a base de qualquer possibilidade de elaboração crítica. Sem ela, o saber se torna servil. E um saber servil é, cedo ou tarde, um saber inútil — inclusive para o próprio Estado que o pretende controlar.