Observatório do Campo: A Narrativa do Inimigo e o Debate Tributário no Brasil

Nos últimos meses, a suposta tributação do Pix se tornou um fenômeno de mobilização instantânea nas redes sociais. A reação foi intensa, com discursos inflamados contra uma medida que, na realidade, nunca foi formalmente proposta por nenhum ator do Estado ou do governo brasileiro. O que explica essa reação tão rápida e virulenta? O problema não está apenas na desinformação, mas em algo mais profundo: a estrutura do debate tributário brasileiro é influenciada por uma lógica de construção de inimigos. Dentro dessa dinâmica, não se discute tributação com base em dados empíricos ou mesmo nos princípios tradicionalmente reconhecidos, mas sim a partir da presunção de que determinados atores agem sempre de forma maliciosa. Assim, qualquer menção a tributos é recebida como um ataque direto, não importando o contexto. O debate não se dá entre propostas, mas entre lados opostos, onde um deve vencer e o outro ser derrotado.

Esse fenômeno é uma manifestação da calcificação das posições ideológicas, algo que já foi amplamente estudado em outros contextos políticos. No Brasil, esse enrijecimento do discurso se reflete na ideia de que o fisco e o contribuinte são adversários naturais, como se fossem forças antagônicas e inconciliáveis. Nessa narrativa, para quem está de um lado, o Estado seria sempre voraz e predatório, enquanto o contribuinte seria sempre uma vítima indefesa. Para quem está do outro lado do balcão, o contribuinte seria visto como um sonegador em potencial, buscando alguma artimanha para escapar da aplicação da legislação, enquanto o agente estatal assumiria o papel de guardião da moralidade fiscal, sempre à caça de comportamentos desviantes. Essa dualidade simplista distorce a realidade e impede qualquer debate sério sobre tributação. Quando a tributação é reduzida a uma luta entre bons e maus, perde-se a oportunidade de compreendê-la como um fenômeno complexo, permeado por disputas legítimas e dilemas concretos. O caso do Pix ilustra esse problema: antes de qualquer análise sobre a veracidade da medida, o tema já foi absorvido pela lógica do confronto e da desconfiança mútua.

A ESTB propõe um caminho alternativo: superar esses dualismos reducionistas e encarar a tributação com a seriedade que ela exige. Nosso compromisso é com um debate realista, baseado em dados e livre de preconceitos. Não interessa se um tributo é “a favor” ou “contra” determinado grupo – o que importa é discutir seus efeitos concretos e sua adequação à racionalidade da matriz tributária brasileira. O Observatório do Campo, coluna que inauguramos nesta edição da ESTB Informa, nasce como um instrumento para desmistificar essas narrativas simplistas e trazer um olhar mais profundo sobre o campo tributário. E queremos deixar claro desde o início: a tributação não pode ser encarada como um jogo de adversários, onde um lado deve vencer e o outro perder. Nosso compromisso é com a análise crítica, com a desconstrução dos preconceitos que limitam o debate e com a busca por uma visão mais ampla e fundamentada da tributação. Este será o espírito desta coluna. O campo tributário brasileiro precisa de uma discussão menos passional e mais racional – e esse é o papel que o Observatório do Campo pretende desempenhar.

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