Capitalismo Destrutivo: Os radicais do mercado e a ameaça de um mundo sem democracia, de Quinn Slobodian (Editora Objetiva), apresenta um diagnóstico sobre a fragmentação da soberania estatal diante da ascensão dos enclaves econômicos. Para o historiador canadense e professor da Universidade de Boston, a ilusão de que os Estados-nação ainda ditam as regras da economia global esconde uma realidade mais inquietante: o poder econômico já não se organiza em torno de fronteiras tradicionais, mas de zonas de exceção, onde a tributação é reduzida, a regulação é flexibilizada e a democracia se torna uma formalidade dispensável. Se a ordem capitalista sempre pareceu se sustentar em uma tensão entre regulação e livre mercado, o que se vê agora, segundo Slobodian, é uma espécie de hackeamento do próprio sistema: não é preciso derrubar o Estado, basta perfurá-lo em pontos estratégicos até que sua função se torne irrelevante. O resultado é um mapa econômico repleto de anomalias – ilhas fiscais, cidades-modelo e distritos econômicos especiais – onde o capital não apenas transita livremente, mas dita suas próprias condições de existência. Recentemente, o livro foi apresentado pelo próprio autor em um evento da EU Tax Observatory na Paris School of Economics, acompanhado pelo Coordenador Acadêmico da Escola Superior de Tributação de Brasília, Marcio Campos.
Essa inversão de papéis é um dos pontos centrais do livro. Se outrora os Estados moldavam as regras do jogo e os investidores precisavam se adaptar a elas, hoje são as empresas e os grandes grupos financeiros que desenham as normas que melhor lhes convêm, cabendo aos governos a tarefa de formalizar e validar essas escolhas. Paraísos fiscais, zonas econômicas especiais e regimes tributários diferenciados não surgem como respostas a necessidades nacionais, mas como demandas explícitas de agentes privados que buscam condições ideais para maximizar seus lucros e minimizar sua exposição a normas e tributos. Slobodian desmonta a ideia de que essa fragmentação seria um reflexo da competição saudável entre nações pela atração de investimentos: na realidade, trata-se de um deslocamento deliberado do poder regulatório, onde as regras do jogo são escritas por quem tem mais recursos para influenciá-las. Se o capitalismo fosse um sistema de livre concorrência, poderíamos esperar que o sucesso decorresse da inovação e da produtividade. No entanto, o que se observa é um ambiente onde a criatividade jurídica pode valer mais do que qualquer eficiência produtiva, e onde a capacidade de encontrar brechas regulatórias se torna o verdadeiro diferencial competitivo.
Ao longo do livro, Slobodian evita tanto o moralismo fácil quanto a utopia de uma reversão desse processo. Ele não propõe soluções definitivas, nem sugere que seja possível restaurar um modelo de soberania estatal pleno. Seu objetivo é mais modesto – e talvez mais realista: mapear os mecanismos pelos quais esse desmanche regulatório ocorre e expor a lógica que o sustenta. O capitalismo destrutivo do título não se refere a uma derrocada iminente, mas a uma mutação constante que escapa às tentativas de controle. Se o mercado sempre encontrou formas de se adaptar a qualquer regime político, a nova fase não é diferente: em vez de operar dentro das regras, ele agora se especializa em redesenhá-las. Para o leitor que busca respostas definitivas, a obra pode parecer inconclusiva. Mas para quem deseja entender como o poder se move e se reorganiza, o livro é uma leitura obrigatória. Afinal, se o jogo se tornou um tabuleiro onde as peças podem ser movidas para fora das bordas, talvez a única certeza seja que as regras continuarão mudando indefinidamente.
O livro pode ser adquirido no site da Companhia das Letras (link), com preço de R$99,90.